quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O que faz do ser humano ser um humano?

   Invisíveis aos olhos de quem não quer ver, eles passam despercebidos por não fazerem mais parte da sociedade. Mas quem disse que eles, os moradores de rua, não são mais como nós, cidadãos ativos da sociedade?
   
   Assim como as cidades aumentam gradativamente seus números populacionais e também é claro, sua economia, mais e mais moradores de rua aparecem vagando pelas calçadas, dormindo em um canto qualquer com seus pedaços de papelão e um cobertor surrado. O que aconteceu para esta pessoa andar por aí sem rumo e sem praticamente nenhum bem material? O que houve para ele ser excluído da sociedade o qual um dia fez parte? Até quando essa pessoa vai viver nesta situação?

   É fácil para nós reclamarmos de algo que não está perfeitamente confortável, algo que está faltando e é muitas vezes supérfluo, que algo não é bom o suficiente para nós, etc. Quanto mais comodismo melhor. Não está bom ter uma casa confortável, mobiliada e um carro popular na garagem? Por que sempre queremos mais?

  Vivemos na indústria do fazer e ser notado, do trabalhar para suprir não somente necessidades, mas principalmente, desejos. Não queremos apenas o pão, queremos o pão gurmetizado. Não queremos apenas uma roupa que cubra nosso corpo e nos mantenha aquecidos, queremos estar estilosos e bem vestidos.

   Um exemplo claro de extravagância é a que aparece com frequência em canais de TV: uma pessoa da alta sociedade cansada de não ter no que gastar seu dinheiro, mima seu animal de estimação com o que há de melhor: uma coleira de diamantes, biscoitos gurmetizados, roupas semelhantes aos dos filhotes humanos, etc. Não obstante, há casos de pessoas que compram macacos para assim os cuidar como filhos, vestindo-os e alimentando-os como tal. 

   Nada contra tratar os animais com carinho e cuidado. Mas agora mimar excessivamente um animal a ponto de torná-lo um objeto de luxo, para fazer dele o que bem entender, é o ápice da ignorância do ser humano. Faz de conta que o animal saberá comportar-se adequadamente, saberá fazer suas necessidades em locais próprios para isso. Aposto que uma pessoa dessas que mima excessivamente um animal a ponto de quase torná-lo um humano, é uma das principais pessoas que citei lá em cima: a que ao olhar delas, o morador de rua é invisível, tornando-os assim desumanos. 

   Por que desumanizam alguns humanos e humanizam alguns animais? Que universo paralelo é esse? Ou ao popularmente dito: "A que ponto chegamos"?

   Mal vistos pela sociedade estão também os ex-presidiários. É, aquela "escória" que as pessoas insultam por terem cometido um delito, que são jogados em celas feito animais, ou a grosso modo: os que são expulsos da sociedade.

   Os homens criam leis para tentar harmonizar a sociedade, punindo assim os que infringem o que é posto como o correto. Anteriormente, há tempos muito remotos, a pessoa que cometia um delito sofria o chamado suplício, que era nada mais do que o sofrimento do corpo, uma pena corporal em si, um ato de crueldade e barbárie, onde o condenado era exposto ao povo e mutilado até a morte, a mando do rei ou governante.

   Logo depois as punições foram amenizadas para masmorras desprovidas de luz e isolados, onde o delinquente era levado após um "showzinho" para o público, caminhando pela rua com uma placa dizendo o delito que cometeu. Assim, o intuito da pena não era de que o criminoso voltasse a cometer o crime, mas que servisse de aviso pra população que não o deveria fazer.

    Anos depois, começou-se o encarceramento coletivo, onde a gravidade da pena era medida em anos. Muitos dos delinquentes eram tidos como vagabundos, que entraram no mundo do crime por não ter o que fazer, não ter uma ocupação. Visto isso e com o objetivo de reenquadrar, trazer de volta o criminoso à sociedade, trouxeram à prisão o incentivo do trabalho descontando-se assim o tempo da pena, para que ele buscasse um sentido de sobrevivência que não seja o de praticar delitos, para assim retornar à sociedade como um cidadão ativo da mesma.

   Mas não é isso que ocorreu e vêm ocorrendo. As pessoas de longe empregariam ex-presidiários, pois como cometeu um delito, quem garante que não vá cometer outro, e ainda mais: outro no estabelecimento que for empregado? Infelizmente é triste saber que após tanto tempo encarcerado, longe da sociedade, essa pessoa que ao voltar, não é aceito como tal.

   O intuito das prisões na verdade é nada mais nada menos que reenquadrar o indivíduo à sociedade e devolvê-lo como cidadão ativo, mas como expliquei acima, não é o que ocorre. Qual é o sentido então de voltar ao lugar de sua espécie, sendo que não o tratam como tal? Qual o sentido de reaprender a viver naquele meio se não há espaço para o mesmo?

   Para quê tanta distinção, se no final somos todos iguais, seres da mesma espécie e de mesma capacidade intelectual? O que importa realmente para uma sociedade consumista que não vê todos como iguais? É óbvio, o dinheiro. Aquele pedacinho retangular e um punhado de moedas redondas (que pode ter outras formas) feitos em massa onde se é atribuído valor significativo, que pode-se ter basicamente o que quiser.

  Matam-se e roubam em massa por este precioso objeto. Causador de discórdia e ódio,  tiram de quem tem e batalhou por isso, para encher bolsos de quem simplesmente os tomou. Como pode o ser humano ser classificado com mais ou menos desses objetos? Como pode o ser humano ter valor para muitos, em forma financeira?

   Mundinho estranho esse, não?! Mundinho este, que um dia poderá se extinguir juntamente com a sua raça existente predominante, onde no final, dinheiro perderá sua carga valorativa e voltará a ser um simples objeto imóvel desprovido de valor.


Fonte: FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.
   

   

   

Nenhum comentário:

Postar um comentário